"Se o Senhor não vigia a fortaleza, em vão guarda a sentinela."
"Entrega teu caminho ao Senhor, confia nEle e o mais ele fará."
Manaus, 19 de julho de 2011
Segurança e dependência, duas coisas fundamentais que precisamos sempre depositar no Senhor, nosso Deus. Aqui na aviação missionária na amazônia algumas vezes somos confrontados com situações inusitadas e desafiadoras.
Na semana passada, levamos 4 missionárias para uma aldeia a 2 horas de vôo de distância de Manaus. Duas visitantes e duas veteranas. Catarina e Judite tem mais de 60 anos de idade e mais de 30 dedicados na tradução da Palavra de Deus para um dos centenas de povos indígenas que vivem no território brasileiro. O plano era de ficarem lá por uma semana para ensino e consultoria e depois retornarem para Manaus para continuar o trabalho de tradução do Velho Testamento “em casa”. Elas são nossas passagerias VIPs.
No domingo a noite, após voltar do culto, recebo um telefonema de um indígena de Tapauá com o seguinte recado: “Tem uma missionária no rio Purus passando mal e precisa do avião amanhã”. Eu entendi exatamente o que ele quis dizer. Recentemente a Embratel instalou um orelhão na aldeia, mas o mesmo tem problemas para completer ligações. Catarina havia me dado um pequeno papel com o número anotado e resolvi ligar para ver se conseguia contato. Judite atendeu e confirmou a necessidade de um vôo de emergência para a manhã seguinte. Confirmei que estaríamos lá entre 8:30h e 9:00h da manhã. Deixei o Marco e o Timóteo, nossos chefes, avisados e fui dormir.
4:00AM o despertador me lembra que está na hora.
5:30AM vejo o dia amanhecer no hangar, enquanto Andrés e eu abastecemos o avião. Fazemos o pré-vôo, colocamos o hidroavião na água e decolamos exatamente 6:40.
Nível 065, 20 nós de vento de cauda e 140 nós no GPS, que beleza. A manhã está linda, com o sol nas costas enquanto voamos para o sudoeste, com turbulência zero e céu completamente sem nuvens, ou, céu de brigadeiro.
Após 1:30 de vôo iniciamos a descida e então começamos a ouvir um chiado estranho nos fones. Verificamos os plugues, os rádios, etc, quando observo que o amperímetro está marcando zero, ou seja, nosso alternador aparentemente está fora do sistema. O manual diz que nesta hora devemos “reciclar” o interruptor e executamos o procedimento. Mas quem disse que ele religa?
Tudo ficou apagado no painel e tanto a bateria quanto o alternador só voltariam a funcionar uma vez naquele dia. Graças a Deus, o motor não precisa de bateria para continuar funcionando, devido os magnetos, mas apenas precisa da bateria para dar a partida. Também precisaríamos da bateria para usar os rádios, nos comunicar, usar os flapes para pouso e decolagem e as luzes da aeronave.
Bom, faltavam 10 minutos para chegarmos e enquanto eu pilotava o avião, o Andrés começar a procurar a pane, verificar em baixo do painel, reciclamos os disjuntores e interruptores dezenas de vezes, mas nada acontece. Subitamente tudo religa, mas aí eu precisava ter a certeza que isso não ocorreria novamente, pois poderia acontecer de ao pousarmos no lago
Itaboca, desligássemos o motor e a bateria e ela nunca mais ligasse. Decidi resolver a dúvida reciclando o sistema outra vez e “dito e feito”: Tudo ficou apagado em definitivo.Pane total do sistema elétrico.
Nesse momento já estávamos sobre o lago e precisávamos nos preparar para pousar. MAS sobre o lago havia um banco de neblina “colado” nas copas das árvores, devido a chuva durante a noite. Em meus pensamentos busquei a Deus e pedi sabedoria para aquela situação que estava começando a se deteriorar demais. Quando olhei para a esquerda, vi que o rio Purus estava livre de neblina e então prosseguimos para sobrevoar o rio e verificar se era possível passar por baixo das nuvens em condiçoes de visibilidade favoráveis. Graças a Deus, havia um buraco no banco de nuvens exatamente sobre a ligação entre o rio Purus e o lago Itaboca. Desci até a base das nuvens e configurei o avião para o pouso, mesmo sem flapes. Entramos sobre o lago e subitamente estávamos voando num túnel. Árvores nos lados, água espelhada embaixo e nuvens de neblina acima de nós. Tínhamos um espaço de 200 pés de altura e cerca de 300 metros de largura. O lago tem cerca de 3 a 4 km de comprimento. Concentração máxima no altímetro e velocímetro pois não tínhamos percepção visual da nossa altura sobre a água, devido o espelho dágua do lago. Quando chegamos no ponto de encontro com as missionárias, simplesmente reduzi a potência e pousamos em segurança. Que alívio.
A paisagem do lugar é paradisíaca, mas naquele momento nossa preocupação era com o restabelecimento do sistema elétrico. Andrés saiu do avião e caminhou sobre o flutuador até o motor, abriu a portinhola de inspeção e tentou verificar os contatos do alternador enquanto eu taxiava o avião com o motor na marcha lenta. Estávamos cerca de 15 minutos adiantados do nosso horário estimado de pouso e era o tempo que tínhamos para tentar restaurar o
sistema sem desligar o motor. Mas nada funcionou. Não poderíamos cortar o motor em hipótese alguma, se o desligássemos não haveria mais como religar o motor. Estaríamos “presos”.
Graças a Deus Catarina e Judite apareceram logo, numa voadeira com 2 índios. Não podia ser melhor. A voadeira logo alcançou o avião taxiando e emparelhamos os dois. Ajudei Catarina e Judite a embarcarem enquanto Andrés taxiava o avião no meio do lago. Nunca antes tínhamos feito embarque no Cessna 206 em movimento sobre a água. Depois de acomodá-las e
explicar-lhes a situação dei a volta no avião, com a voadeira, e amarrei a bagagem e a carga delas no fundo da cabine do avião. Subi na asa para conferir a quantidade de combustível e voltei para a cabine. Já estávamos taxiando a mais de 20 minutos e nossa reserva de combustível estava “indo embora”.
Cumpri todos os checklists, programei o cronometro (timer) com o combustível remanescente e prosseguimos na decolagem, sem flapes, e em espelho dágua, demorou bastante para decolar, mas como o lago era bem comprido, tínhamos ótima margem de segurança. Durante a subida combinei com o Andrés que iríamos mudar a rota, de forma que ficássemos o tempo todo sobre a água, ou seja, sobre o rio Purus e depois o rio Solimões.
O vento que anteriormente nos empurrou para chegarmos 15 minutos adiantados, agora estava nos segurando muito. O avião não queria passar de 90 nós. Isso era lento demais e pelos cálculos o combustível ficaria escasso. Além disto, devido a pane elétrica, os indicadores de quantidade de combustível não estavam funcionando. Também não tínhamos nenhum rádio. Graças a Deus a meteorologia estava excelente e no caso de alguma emergência poderíamos pousar no rio Purus a qualquer momento durante a rota, de forma segura e então esperarmos a passagem de algum barco para pedirmos ajuda. O rio Purus tem bastante tráfego de embarcações e há muitas comunidades na beira do rio, onde poderíamos encontrar abrigo, ajuda e, possivelmente, até comunicação.
Subimos então para 7500 pés na expectativa de conseguirmos menos vento de proa. Ganhamos de 5 a 10 nós lá em cima e agora, provavelmente pousaríamos com cerca de 25 minutos de combustível nos tanques ao chegarmos em Manaus. Isso era aceitável diante das circunstâncias.
A operadora de celular VIVO instalou várias antenas nos municípios do interior do Amazonas, por isso portei meu celular para VIVO no ano passado. Era a única forma de comunicação a bordo naquele momento. Exatamente na metade da rota sobrevoaríamos Beruri. Escrevi uma mensagem SMS para Timóteo e César explicando nossa situação, passando o plano de voo e pedindo para eles fazerem contato com o Controle de Tráfego Aéreo informando nossa situação. Graças a Deus, naquele dia, a VIVO não nos deixou na mão.
Pousamos no lago Puraquequara, em Manaus, após 2:20 minutos de “silêncio” na cabine, apenas com o ruído do motor, abafado pelos fones de ouvido e protetores auriculares. Tanto Catarina quanto Judite estavam bastante debilitadas e fiquei muito grato a Deus por Ele ter possibilitado que as trouxessemos de volta para casa em “segurança”. Não na segurança dos homens, mas na segurança que vem do Senhor. Foi Ele quem nos deu sabedoria, tranquilidade e coragem para tomarmos as decisões adequadas no meio de um contexto complicado. Podemos e devemos sempre fazer nosso melhor e procurarmos estarmos preparados para situações diversas, ainda mais voando aqui na Amazônia, mas nossa dependência precisa estar sempre em nosso Deus, nosso refúgio, nossa fortaleza, seguro bem presente na tribulação.
A pane foi a solenóide que liga a bateria na barra de alimentação principal somado a uma falha interna do alternador. Tipo de pane imprevisível e raríssima. Nunca teríamos resolvido isso lá no mato. No dia seguinte PT-WKG retornou para Itaboca para buscar as outras duas visitantes e ele se comportou muito bem. Obrigado a nossa equipe de mecânicos, Victor, Ryan, Josh, Joel, Valtair e Andrés que trabalharam tanto para recolocar WKG em vôo, depois de 2,5 anos parado no hangar e tem se desdobrado para mantê-lo voando. O trabalho de vocês é essencial para continuarmos “dando asas aos que dão suas vidas”.
Toda Glória a Deus
Márcio